Relatos do Cotidiano
“Amai ao próximo como a ti mesmo.” ( Jesus)
O medo no convívio social está
instalado e chega, em algumas comunidades mundiais, ao nível do pânico. O
“próximo”, por vezes é exatamente quem nos agredirá; invadirá e se apossará de
nossas propriedades materiais e até intelectuais.
Como exercitar o amor com quem tememos
e de quem nos escondemos?
Enxergar o outro, se mal paramos para o
exercício do autoconhecimento, fica difícil. Independente do nível financeiro
da comunidade; do número de “amigos” que cada indivíduo possui em sua página do
facebook, podemos constatar, primeiro que as pessoas sofrem de SOLIDÃO:
segundo, , que ao abrirmos as portas de
uma Livraria Espírita, ali estará um
ponto de atendimento fraterno.
SUICÍDIO (1)
Manhã do
dia 09.04.2013, por volta de 12 hs. O
rapaz para quem guardamos caixas de papelão para serem recicladas, chega a
porta da livraria. Desde que aqui
estamos, o observamos por várias vezes ao dia, arrastar uma imensa sacola (bag)
cheia de papelão, rumo ao destinatário para pesagem.
Por possuir limitações
físicas, seu caminhar é difícil e agravado por uma dependência alcoólica.
Ao longo
de vários dias trocamos algumas palavras com ele quando vem buscar o papelão. Mas dia nove foi diferente; pediu para
sentar-se um pouco á porta; ao que respondi afirmativamente, olhando-o por
detrás da mesa de trabalho.
Já sentado, esfregando
uma mão na outra como a procurar na mente uma forma de iniciar uma conversa
íntima com uma pessoa estranha, perguntou-me:
- A senhora é mãe?
Ao que eu respondi
afirmativamente, acrescentando ser também avó.
Pareceu-me que ele aprovara meu “curriculum” quando afirmou:
- Então a senhora tem
experiência posso lhe contar: estou pensando em me matar.
Tentando refazer-me do
susto perguntei-lhe o porque de tal decisão.
- Minha vida é muito
ruim, tem muita gente que não gosta de mim, eu não tenho nada e não sirvo pra
nada.
Eu nem
sabia o nome daquele jovem e ele estava me comunicando que queria por fim á sua
vida. Como que pra ganhar , talvez para
aguardar mesmo por uma intervenção espiritual que mentalmente comecei a pedir,
perguntei-lhe nome e idade:
- André; tenho 27
anos, gosto de ler, mas parei de estudar no segundo grau.
Arrisquei
uma resposta: Bom André, você é um rapaz trabalhador, luta com dificuldades,
mas isto pode melhorar. Quanto a você
ter gente que não gosta de você, acho
que é normal, porque também tenho muita gente que não gosta nem um pouco de
mim; ,mas fico triste porque agora que a gente estava ficando amigo, você
que ir embora.
Nisto
minha colega de trabalho fez sinal para que eu perguntasse ao nosso amigo se
ele queria dividir conosco um almoço, pois
o nosso havia chegado. Ele
aceitou e começamos a comer em silêncio.
Servimos a ele um suco de uva bem adoçado. Ao término pareceu-nos que ele estava
fisicamente melhor. Agradeceu e levantou-se
despedindo-se.
Acenei-lhe com o “Deus
te abençoe” das mães e ele, “Amém”.
Pedi-lhe que voltasse no dia seguinte, não
houve resposta.
SUICÍDIO (2)
Dia 10.04.2013, sete
horas da manhã, preparando-me para ir para a Livraria recebo um telefonema:
- Mamãe, César se
matou.
A voz sofrida da minha
filha indicava a proximidade, a intimidade
que aquele garoto de 30 anos desfrutava em nossa família.
Rapaz bonito,
inteligente, á pouco tempo havia conseguido um bom emprego e uma vaga com bolsa
de estudos, na tão almejada faculdade de Direito.
Nesta época ele vivia em minha família e as definia como
“ a mulher que eu amo e minhas filhas do coração”. Era adicto; mesmo que nem a palavra e seu
significado definam uma pessoa, mas assinalam a dependência química como guerra
no cotidiano deste irmão. Na terceira ou
quarta “recaída”, perdera o emprego, a família, a faculdade e a autoestima.
Passou a morar com sua
família consanguínea e a tentar sozinho, desintoxicar-se fisicamente. Reinício, sempre o recomeço ; mas como ele
mesmo dizia “carneiro bom não berra”.
Há menos de um mês ele
veio á Livraria, abraçou-me, sorriu informando que estava tudo bem
consigo. Contentei-me com este
cumprimento superficial e despedimo-nos: foi a última vez que vi este “filho”,
como eu o chamava.
O que aconteceu com
ele entre o sorriso daquele dia e a seriedade deste rosto cercado de flores num
caixão, não ficarei sabendo.
Aproximadas 17 horas,
eu já estava de volta para a Livraria, de alma dolorida e cheia de
indignação. Chega o André, (o rapaz de
ontem), sacudindo os braços, de mãos abertas e quase sem conseguir falar de tão feliz:
- Dona, Dona, ganhei
um carro, um carrinho, lindo, zero bala; está sendo pintado.
Algum SER iluminado,
tocado pela espiritualidade superior, fez a caridade material para facilitar a
vida daquele irmão: deu-lhe um carrinho de reciclagem. Agora ele não teria mais que arrastar a “bag”
o dia todo.
- Amanhã tá pronto
Dona, venho te mostrar.
Vivo e cheio de
esperanças, lá se foi o André. A sua
caridade espiritual em dividir comigo sua alegria, balsamizou meu coração,
diluindo um pouco a densidade das emoções do meu dia.
Talvez pedir ajuda seja
a diferença entre resistir ao cotidiano e sucumbir ao desejo de eliminar a
própria vida.
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