segunda-feira, 6 de maio de 2013

Relatos do Cotidiano



Relatos do Cotidiano
“Amai ao próximo como a ti mesmo.” ( Jesus)
O medo no convívio social está instalado e chega, em algumas comunidades mundiais, ao nível do pânico. O “próximo”, por vezes é exatamente quem nos agredirá; invadirá e se apossará de nossas propriedades materiais e até intelectuais.
Como exercitar o amor com quem tememos e de quem nos escondemos?
 Enxergar o outro, se mal paramos para o exercício do autoconhecimento, fica difícil. Independente do nível financeiro da comunidade; do número de “amigos” que cada indivíduo possui em sua página do facebook, podemos constatar, primeiro que as pessoas sofrem de SOLIDÃO: segundo, , que ao  abrirmos as portas de uma Livraria Espírita,  ali estará um ponto de atendimento fraterno.

SUICÍDIO (1)
Manhã do dia 09.04.2013, por volta de 12 hs.  O rapaz para quem guardamos caixas de papelão para serem recicladas, chega a porta da livraria.  Desde que aqui estamos, o observamos por várias vezes ao dia, arrastar uma imensa sacola (bag) cheia de papelão, rumo ao destinatário para pesagem.
Por possuir limitações físicas, seu caminhar é difícil e agravado por uma dependência alcoólica.
Ao longo de vários dias trocamos algumas palavras com ele quando vem buscar o papelão.  Mas dia nove foi diferente; pediu para sentar-se um pouco á porta; ao que respondi afirmativamente, olhando-o por detrás da mesa de trabalho.
Já sentado, esfregando uma mão na outra como a procurar na mente uma forma de iniciar uma conversa íntima com uma pessoa estranha, perguntou-me:
- A senhora é mãe?
Ao que eu respondi afirmativamente, acrescentando ser também avó.  Pareceu-me que ele aprovara meu “curriculum” quando afirmou:
- Então a senhora tem experiência posso lhe contar: estou pensando em me matar.
Tentando refazer-me do susto perguntei-lhe o porque de tal decisão.
- Minha vida é muito ruim, tem muita gente que não gosta de mim, eu não tenho nada e não sirvo pra nada.
Eu nem sabia o nome daquele jovem e ele estava me comunicando que queria por fim á sua vida.  Como que pra ganhar , talvez para aguardar mesmo por uma intervenção espiritual que mentalmente comecei a pedir, perguntei-lhe nome e idade:
- André; tenho 27 anos, gosto de ler, mas parei de estudar no segundo grau.
Arrisquei uma resposta: Bom André, você é um rapaz trabalhador, luta com dificuldades, mas isto pode melhorar.  Quanto a você ter gente que não gosta de  você, acho que é normal, porque também tenho muita gente que não gosta nem um pouco de mim; ,mas fico triste porque agora que a gente estava ficando amigo, você que  ir embora.
Nisto minha colega de trabalho fez sinal para que eu perguntasse ao nosso amigo se ele queria dividir conosco um almoço, pois  o nosso havia chegado.  Ele aceitou e começamos a comer em silêncio.  Servimos a ele um suco de uva bem adoçado.  Ao término pareceu-nos que ele estava fisicamente melhor.  Agradeceu e  levantou-se  despedindo-se.
Acenei-lhe com o “Deus te abençoe” das mães e ele, “Amém”.
Pedi-lhe que voltasse no dia seguinte, não houve resposta.





SUICÍDIO (2)
Dia 10.04.2013, sete horas da manhã, preparando-me para ir para a Livraria recebo um telefonema:
- Mamãe, César se matou.
A voz sofrida da minha filha indicava a proximidade, a intimidade  que aquele garoto de 30 anos desfrutava em nossa família.
Rapaz bonito, inteligente, á pouco tempo havia conseguido um bom emprego e uma vaga com bolsa de estudos, na tão almejada faculdade de Direito.
Nesta época  ele vivia em minha família e as definia como “ a mulher que eu amo e minhas filhas do coração”.  Era adicto; mesmo que nem a palavra e seu significado definam uma pessoa, mas assinalam a dependência química como guerra no cotidiano deste irmão.  Na terceira ou quarta “recaída”, perdera o emprego, a família, a faculdade e a autoestima.
Passou a morar com sua família consanguínea e a tentar sozinho, desintoxicar-se fisicamente.  Reinício, sempre o recomeço ; mas como ele mesmo dizia “carneiro bom não berra”. 
Há menos de um mês ele veio á Livraria, abraçou-me, sorriu informando que estava tudo bem consigo.  Contentei-me com este cumprimento superficial e despedimo-nos: foi a última vez que vi este “filho”, como eu o chamava.
O que aconteceu com ele entre o sorriso daquele dia e a seriedade deste rosto cercado de flores num caixão, não ficarei sabendo.
Aproximadas 17 horas, eu já estava de volta para a Livraria, de alma dolorida e cheia de indignação.  Chega o André, (o rapaz de ontem), sacudindo os braços, de mãos abertas e quase sem conseguir  falar de tão feliz:
- Dona, Dona, ganhei um carro, um carrinho, lindo, zero bala; está sendo pintado.

Algum SER iluminado, tocado pela espiritualidade superior, fez a caridade material para facilitar a vida daquele irmão: deu-lhe um carrinho de reciclagem.  Agora ele não teria mais que arrastar a “bag” o dia todo.
- Amanhã tá pronto Dona, venho te mostrar.
Vivo e cheio de esperanças, lá se foi o André.  A sua caridade espiritual em dividir comigo sua alegria, balsamizou meu coração, diluindo um pouco a densidade das emoções do meu dia.
Talvez pedir ajuda seja a diferença entre resistir ao cotidiano e sucumbir ao desejo de eliminar a própria vida. 

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